Odeie seu ódio

março 15, 2010 at 4:59 pm Deixe um comentário

A responsabilidade do Ocidente sobre o extremismo religioso em debate

Em janeiro, uma comissão do parlamento francês recomendou ao governo proibir o uso da burca em lugares públicos, como escolas, hospitais, correios e meios de transporte. Seria uma extensão à proibição do uso do nicab, o véu que deixa à mostra apenas os olhos, em vigor desde 2004 no país.

O presidente Nicolas Sarkozy declarou seu apoio à nova proposta e afirmou que “coberturas corporais não são bem-vindas na França”. No mês seguinte, uma aluna foi proibida de assistir aulas em uma universidade em Lyon porque vestia uma camiseta com os dizeres “Palestina livre”.

Os episódios retratam uma tendência perigosa no mundo desenvolvido, especialmente em algumas partes da Europa: os flertes com o populismo conservador e xenófobo.

A França abriga uma população de imigrantes islâmicos estimada em 5 milhões, a maior entre os países europeus. Deste total, menos de 2.000 mulheres usam a burca, uma vestimenta adotada pelas esposas em algumas interpretações do Islã, especialmente no Afeganistão e no Paquistão.

A insignificância da medida e a já delicada relação com o mundo árabe despertaram questionamentos. A justificativa oficial de que “a burca ameaça a identidade cultural da França” parece dissimulada, insuficiente. Para muitos, os vetos ofendem os direitos civis, potencializam o ódio e são reflexos do desprezo do Ocidente para com suas responsabilidades em manter a paz.

Acuados por disputas eleitorais, recessão econômica e desemprego, governos europeus de centro-direita, como o de Sarkozy, não hesitam em culpar as minorias frágeis e sua diversidade cultural pelos problemas sociais. Comunidades de imigrantes muçulmanos são alvos recorrentes.

As iniciativas foram mal recebidas nos Estados Unidos. Em um editorial intitulado “O Talibã aplaudiria”, o jornal The New York Times criticou o parlamento francês, contestou a necessidade da proibição e afirmou que nenhum ganho político pode justificar o grave simbolismo embutido no veto.

Um reconhecimento, ainda que tardio, do potencial que hostilidades têm de inflamar discursos. Os maus exemplos das democracias ocidentais dão legitimidade aos grupos extremistas, especialmente a Al Qaeda, e reforçam o discurso do jihad – o combate aos inimigos demoníacos judeus e cristãos.

Historicamente autoritários, os norte-americanos parecem ser os atores mais lúcidos e sensíveis aos fatores psicológicos que envolvem a guerra santa sobremoderna. O inusitado talvez seja fruto da experiência em campos de batalha no Oriente Médio na última década, em contato diário com a fúria dos que lutam em nome de Alá.

No Afeganistão, combater é ocupar

Em meio a apelos e protestos crescentes no país pela retirada das tropas do Afeganistão, Barack Obama pediu ao comandante do exército norte-americano na região uma solução rápida para a guerra. A resposta do general Stephen McChrystal, requisitando-lhe o envio de mais 40 mil soldados, pegou o presidente de surpresa.

Pendente de aprovação junto a deputados e senadores, o aumento da presença militar é considerado indispensável para o sucesso da nova estratégia no Oriente Médio: investir em uma ocupação duradoura, aumentar os investimentos em infra-estrutura e qualidade de vida local e estreitar as relações com os nativos. A idéia dos estrategistas militares é fragilizar o discurso extremista e seu poder de sedução, diminuindo o número de novos recrutamentos. Em suas palavras, “cortar o mal pela raiz”.

McChrystal personifica a cultura bélica de uma nova geração de que mesmo na guerra, não basta invadir, combater e destruir. É preciso conquistar a confiança e o apoio do povo, usar a ocupação para contrastar uma nova realidade à lembrança de um passado de autoritarismo e exploração sob o regime do Talibã.

Literalmente no meio do fogo entre uma força local opressora e outra estrangeira, os afegãos vêem nos soldados norte-americanos cúmplices volúveis, pouco confiáveis, alheios à realidade e ao futuro dos que ficam.

O povo é o principal sustentáculo dos refugiados do Talibã e da Al Qaeda. As populações acobertam esconderijos, armas e militantes, vazam informações, auxiliam em ataques e servem de escudo humano. Literalmente.

Há poucas semanas, aviões norte-americanos desistiram de bombardear casas na cidade de Marjah, de onde mais cedo partiram ataques de baterias antiaéreas, porque seus moradores – mulheres, idosos e crianças – ocupavam os telhados.

Alguns dias depois, vinte e um civis que acompanhavam um comboio em Uruzgan, região central do Afeganistão, não tiveram a mesma sorte. Confundidos com terroristas, foram vítimas de um forte ataque aéreo. As baixas geraram desconforto entre os americanos e o governo local e evidenciam a distância entre a teoria e a prática na guerra.

Como combater a Al Qaeda sem vitimar inocentes? Qual a receita para invadir um país em nome de sua liberdade sem despertar a antipatia da população? Como evitar que gestos hostis do Ocidente fortaleçam movimentos extremistas islâmicos?

Em um mundo em que jovens americanos são atraídos pela Al Qaeda a combaterem o próprio país, como Omar Hammani, o garoto rico de Ohio, melhor aluno da classe e capitão do time de futebol que hoje comanda uma milícia radical na Somália, estas e outras respostas parecem distantes.

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