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Entrevista Sonia Bridi: “Há mais diplomatas brasileiros em Paris do que em Pequim”

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 24)
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Sonia Bridi é jornalista e, como repórter da rede Globo, foi correspondente nos EUA, Inglaterra, China e França. A autora do livro Laowai – Histórias de uma repórter brasileira na China falou a Getulio sobre sua experiência e as relações com nosso maior parceiro comercial.

Você viveu na China nos anos de 2005 e 2006. Como se deu a decisão de mudar para um país distante e desconhecido?
Foi muito em função de querer presenciar o que estava acontecendo. Naquele momento pouco se conhecia, todos achavam que eu estava me mudando para Marte. A construção da China e a influência que isto causava sobre o planeta era a maior notícia do momento, o que chamamos de developing news.

Como foi deixar aquele país?
Depois que saí de lá, fui morar na França, que é um país completamente estabilizado, com crescimento econômico baixo, digamos que onde quase tudo já foi feito. Um contraste absurdo! Foi interessante notar como a Europa estabilizada está se adaptando ao mundo novo definido pela China.

Com base nessa vivência, a que fatores atribui o sucesso chinês nos últimos 30 anos?
A elite chinesa é composta por gente pragmática. As lideranças são formadas em universidades politécnicas, centros como a Universidade de Tsinghua, o lugar que forma os “engenheiros vermelhos”, inclusive o Hu Jintao (engenheiro hidráulico, atual presidente do país e secretário-geral do partido comunista). Engenheiros têm pensamento prático. Essa é uma diferença muito grande com relação às lideranças de países como o Brasil, formadas nas áreas de humanas, com um pensamento cheio de elipses. A realização no Brasil não é lenta por causa da democracia, mas porque falta pensamento prático no planejamento e na execução. A China é um país administrado por técnicos, que definiram aonde querem chegar e como, e estão seguindo o plano com rigor. Enquanto aqui, não conseguimos realizar as reformas trabalhista e tributária que permitiriam às empresas manter a cabeça fora d’água.

Você concorda com a visão disseminada em certos meios sobre a relevância da exploração do trabalho no sucesso chinês?
Sempre achei uma injustiça e uma burrice estratégica nossa e de outros países atribuir o desenvolvimento da China ao trabalho escravo e à mão de obra barata. Também acho simplista atribuí-lo ao autoritarismo e à falta de democracia. Se fosse assim, a Coréia do Norte seria a Suécia. Ao nos negarmos a enxergar os méritos chineses, estamos deixando de ver a realidade. E ao fazê-lo, deixamos de nos preparar para ela. Qualquer pessoa com um pouco de visão irá perceber que estes motivos são muito menos determinantes do que a infraestrutura invejável. Posso nomear 15 portos melhores do que o melhor porto do Brasil. Mas isso porque conheço pouco da China, pois se a conhecesse melhor provavelmente citaria mais. Os aeroportos, as estradas, o sistema viário: até 2020 eles construirão 16 mil quilômetros de trens de alta velocidade, enquanto não conseguimos parar de debater se vamos ou não fazer um entre Rio de Janeiro e São Paulo. Eles estão agora abrindo 4 milhões de vagas nas universidades para formar engenheiros, técnicos, administradores. O chinês com pouco estudo tem nove anos de escola. Aqui, as empresas que dependem um pouco de tecnologia e mão de obra especializada não vêm. A qualidade de nossa educação é motivo de vergonha para todos nós. E mesmo assim, durante toda a campanha eleitoral (à Presidência) esta questão passou batida.

Uma maior atuação no âmbito da OMC, por meio de medidas antidumping ou salvaguardas, poderia resolver nossos problemas? Como avalia a atuação diplomática brasileira neste sentido?
Há mais diplomatas na embaixada de Paris do que na de Pequim, sendo que a China é nosso principal parceiro comercial. O Brasil tem uma visão pequena e bobinha. Não consigo achar uma expressão mais definidora da maneira como vemos a China do que esta: bobinha. Os americanos usam seus diplomatas para vender seus produtos e interesses, os chineses também, e nós usamos os nossos para discursos ideológicos. Falta espírito prático. Fomos ingênuos em reconhecer a China como economia de mercado em troca da exportação da carne. Quantos quilos de carne se vende para lá hoje? Não tenho o número atualizado, mas creio que seja algo inexpressivo. O apoio chinês à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU nunca foi explicitado. Eles davam a entender que iam ver, que talvez, que não sei o quê. Se os brasileiros tivessem aprendido um pouquinho da cultura chinesa, saberiam que deles ou você tem por escrito, ou não tem nada. Eles defendem seus interesses. E não acho que estejam errados! O que nós devemos fazer é defender os nossos, nos preparar para enfrentá-los.

Qual nosso maior impedimento para competir em pé de igualdade?
Em termos de mão de obra, além da questão da qualidade do ensino, falta principalmente a reforma trabalhista. Temos uma elite de trabalhadores com muitos direitos, e uma massa imensa alijada da cidadania. É uma decisão hipócrita.

Falta planejamento na educação?
Exato, e falta decidir que país queremos ter. Por enquanto, tudo indica que o Brasil quer ser um país mais ou menos. Em vez de derrubar favelas e construir bairros, para que as pessoas tenham um lugar decente para morar, fazemos projetos favela-bairro. Favela é favela, bairro é bairro. Os chineses entendem isso. E não é à toa que estão levando à cabo o maior caso de promoção social da história da humanidade.

maio 30, 2011 at 12:41 am 2 comentários

Negócios da China

O gigante asiático é o maior parceiro comercial do Brasil e, ao mesmo tempo, ameaça a indústria nacional com sua competitividade ímpar. Como compensar a balança?

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 24)
Ilustração por Weberson Santiago
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Recentemente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, telefonou ao colega norte-americano Timothy Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, para tratar de um assunto em comum: o câmbio chinês. A suposta desvalorização forçada do yuan, a moeda local, vem sendo apontada por partes da comunidade internacional como um dos maiores fatores para a competitividade daquele país, que em pouco tempo saltou do subdesenvolvimento à condição de potência econômica e geopolítica mundial. Mais do que isso, do anterior ostracismo do mundo desenvolvido, a China assumiu o papel de motor do planeta. Nas palavras do presidente Lula, o país foi “o propulsor do espetáculo do crescimento” na última década.

De fato, o desenvolvimento chinês parece ser o segredo da esfinge a ser decifrado ou, na definição da jornalista Sonia Bridi, que viveu na China nos anos de 2005 e 2006 (leia depoimento na página 37), “a maior notícia do momento”. A transição do comunismo para o “socialismo de mercado”, iniciada no final da década de 1970 com reformas que realocaram o foco produtivo da agricultura planificada para a manufatura industrial, passou por movimentos mais recentes de liberalização do comércio internacional e do investimento externo, e impressiona pela organização e rapidez com que o país alcança seus resultados. Especialmente durante a crise econômica iniciada em 2007, a China e sua indústria tornaram-se protagonistas, mantendo em alta os índices de produção e, por consequência, propulsionando a demanda por produtos e serviços de outras nações. Um processo que alavancou economias emergentes, especialmente Brasil e Índia, e despertou interesse e cobiça no mundo desenvolvido.

Assim é que nos últimos três anos assistimos, no Brasil, a uma ainda mais incisiva invasão de produtos chineses. A diversificação agrada à população, agraciada com preços mais baixos para produtos antes inacessíveis, mas acerta em cheio a indústria nacional, incapaz de competir com as condições do parceiro estratégico. De tal forma que, nos meios econômicos, o tema da desindustrialização já desponta como uma das mais importantes discussões no futuro próximo brasileiro.

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maio 30, 2011 at 12:32 am Deixe um comentário

2011, início de uma década inesquecível

A economia nacional celebra seu melhor momento nos últimos anos e projeta estar entre as cinco maiores do planeta em 2020. Quais os desafios e como enfrentá-los?

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 23)
Ilustração por Weberson Santiago

O Brasil vive uma situação inusitada. Acostumado à memória de décadas perdidas e eterna promessa, o país está revertendo o jogo. Este ano deverá ter um crescimento de 7% no Produto Interno Bruto (PIB), o melhor resultado nos últimos 40 anos. A renda per capita aumentou e desta vez o bolo está sendo repartido: mais de 30 milhões de pessoas deixaram a miséria desde 2005, formando a chamada Nova Classe Média, vedete da pujança econômica atual. O desemprego desceu a níveis recordes e, somente neste ano, 3 milhões terão encontrado colocação profissional.

O otimismo é generalizado. Na síntese de Paulo Sérgio Simões Gala, economista e professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, os próximos dez anos se apresentam com “perspectivas fantásticas”. Para ele, esta pode ser a melhor década de nossa história.

Fruto de um longo processo iniciado em 1994 com o Plano Real e seguido adiante pelas administrações de FHC e Lula, a ascensão brasileira no século XXI alimenta apostas em um país diferente em 2020: moderno, competitivo, com capital humano mais bem preparado e inserido entre as grandes potências.

A questão se torna ainda mais instigante à lembrança dos desafios que nos esperam. Questões como o pré-sal, o endividamento externo e os gargalos de infraestrutura devem habitar a agenda nacional e nortear decisões importantes. Por outro lado, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 pro- metem momentos de catarse.

Diante de tantas variantes, como o país conseguirá manter o ritmo, realizar seu potencial de desenvolvimento e alcançar as ambiciosas metas de ascender da 8a à 5a economia mundial em dez anos?

Por que o Brasil voltou a crescer

Para os especialistas, prever o futuro exige atenção aos motivos que nos trouxeram de volta ao rumo. E nesse ponto impera um consenso de que o maior deles foi a estabilidade da economia. O economista Marcelo Cortes Neri, também professor da FGV, foi na década de 90 o primeiro a demonstrar a diminuição da pobreza operada pelo Plano Real, quando era pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Como a maioria dos analistas, Neri vê uma continuidade nas políticas econômicas dos últimos 16 anos. Para ele, os acertos têm relação direta com o controle da inflação e dos gastos públicos, a geração de empregos e o investment grade, que sintetizou a credibilidade da comunidade internacional e dos mercados.

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março 22, 2011 at 11:48 am Deixe um comentário

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