Entrevista Sonia Bridi: “Há mais diplomatas brasileiros em Paris do que em Pequim”

maio 30, 2011 at 12:41 am 2 comentários

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 24)
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Sonia Bridi é jornalista e, como repórter da rede Globo, foi correspondente nos EUA, Inglaterra, China e França. A autora do livro Laowai – Histórias de uma repórter brasileira na China falou a Getulio sobre sua experiência e as relações com nosso maior parceiro comercial.

Você viveu na China nos anos de 2005 e 2006. Como se deu a decisão de mudar para um país distante e desconhecido?
Foi muito em função de querer presenciar o que estava acontecendo. Naquele momento pouco se conhecia, todos achavam que eu estava me mudando para Marte. A construção da China e a influência que isto causava sobre o planeta era a maior notícia do momento, o que chamamos de developing news.

Como foi deixar aquele país?
Depois que saí de lá, fui morar na França, que é um país completamente estabilizado, com crescimento econômico baixo, digamos que onde quase tudo já foi feito. Um contraste absurdo! Foi interessante notar como a Europa estabilizada está se adaptando ao mundo novo definido pela China.

Com base nessa vivência, a que fatores atribui o sucesso chinês nos últimos 30 anos?
A elite chinesa é composta por gente pragmática. As lideranças são formadas em universidades politécnicas, centros como a Universidade de Tsinghua, o lugar que forma os “engenheiros vermelhos”, inclusive o Hu Jintao (engenheiro hidráulico, atual presidente do país e secretário-geral do partido comunista). Engenheiros têm pensamento prático. Essa é uma diferença muito grande com relação às lideranças de países como o Brasil, formadas nas áreas de humanas, com um pensamento cheio de elipses. A realização no Brasil não é lenta por causa da democracia, mas porque falta pensamento prático no planejamento e na execução. A China é um país administrado por técnicos, que definiram aonde querem chegar e como, e estão seguindo o plano com rigor. Enquanto aqui, não conseguimos realizar as reformas trabalhista e tributária que permitiriam às empresas manter a cabeça fora d’água.

Você concorda com a visão disseminada em certos meios sobre a relevância da exploração do trabalho no sucesso chinês?
Sempre achei uma injustiça e uma burrice estratégica nossa e de outros países atribuir o desenvolvimento da China ao trabalho escravo e à mão de obra barata. Também acho simplista atribuí-lo ao autoritarismo e à falta de democracia. Se fosse assim, a Coréia do Norte seria a Suécia. Ao nos negarmos a enxergar os méritos chineses, estamos deixando de ver a realidade. E ao fazê-lo, deixamos de nos preparar para ela. Qualquer pessoa com um pouco de visão irá perceber que estes motivos são muito menos determinantes do que a infraestrutura invejável. Posso nomear 15 portos melhores do que o melhor porto do Brasil. Mas isso porque conheço pouco da China, pois se a conhecesse melhor provavelmente citaria mais. Os aeroportos, as estradas, o sistema viário: até 2020 eles construirão 16 mil quilômetros de trens de alta velocidade, enquanto não conseguimos parar de debater se vamos ou não fazer um entre Rio de Janeiro e São Paulo. Eles estão agora abrindo 4 milhões de vagas nas universidades para formar engenheiros, técnicos, administradores. O chinês com pouco estudo tem nove anos de escola. Aqui, as empresas que dependem um pouco de tecnologia e mão de obra especializada não vêm. A qualidade de nossa educação é motivo de vergonha para todos nós. E mesmo assim, durante toda a campanha eleitoral (à Presidência) esta questão passou batida.

Uma maior atuação no âmbito da OMC, por meio de medidas antidumping ou salvaguardas, poderia resolver nossos problemas? Como avalia a atuação diplomática brasileira neste sentido?
Há mais diplomatas na embaixada de Paris do que na de Pequim, sendo que a China é nosso principal parceiro comercial. O Brasil tem uma visão pequena e bobinha. Não consigo achar uma expressão mais definidora da maneira como vemos a China do que esta: bobinha. Os americanos usam seus diplomatas para vender seus produtos e interesses, os chineses também, e nós usamos os nossos para discursos ideológicos. Falta espírito prático. Fomos ingênuos em reconhecer a China como economia de mercado em troca da exportação da carne. Quantos quilos de carne se vende para lá hoje? Não tenho o número atualizado, mas creio que seja algo inexpressivo. O apoio chinês à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU nunca foi explicitado. Eles davam a entender que iam ver, que talvez, que não sei o quê. Se os brasileiros tivessem aprendido um pouquinho da cultura chinesa, saberiam que deles ou você tem por escrito, ou não tem nada. Eles defendem seus interesses. E não acho que estejam errados! O que nós devemos fazer é defender os nossos, nos preparar para enfrentá-los.

Qual nosso maior impedimento para competir em pé de igualdade?
Em termos de mão de obra, além da questão da qualidade do ensino, falta principalmente a reforma trabalhista. Temos uma elite de trabalhadores com muitos direitos, e uma massa imensa alijada da cidadania. É uma decisão hipócrita.

Falta planejamento na educação?
Exato, e falta decidir que país queremos ter. Por enquanto, tudo indica que o Brasil quer ser um país mais ou menos. Em vez de derrubar favelas e construir bairros, para que as pessoas tenham um lugar decente para morar, fazemos projetos favela-bairro. Favela é favela, bairro é bairro. Os chineses entendem isso. E não é à toa que estão levando à cabo o maior caso de promoção social da história da humanidade.

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Negócios da China

2 Comentários Add your own

  • 1. Holivan Holanda  |  julho 20, 2011 às 10:42 am

    “O que falta ao Brasil é praticidade”
    E quanto a isso ela tem toda a razão.

    Ir direto ao ponto e defender os interesses da nação são qualidades que faltam aos nossos gestores. Ao que parece eles estão muito mais interessados em seu benefício próprio e da maneira que eles fazem foge totalmente da visão de Adam Smith quando dizia que “O sujeito individual, quando age em benefício próprio, promove muito mais o desenvolvimento do todo que se pretendesse fazê-lo desde o princípio”.

    O ‘corrompe’ as nossas relações internas e externas se auto-explica no inicio dessa mesma frase.

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  • 2. Rafael Gregorio  |  julho 22, 2011 às 12:29 pm

    Oi Holivan,

    Concordo contigo sobre a relação deveras desvirtuada entre público e privado em nosso país, e a influência disso sobre a objetividade. É como que uma leitura errada do Smith.

    Mas, confesso, sou um otimista.

    Abraços e obrigado pela visita.

    Responder

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