Renato Godá e a poesia maldita

outubro 29, 2009 at 12:33 pm Deixe um comentário

20/10/2009 no StudioSP | São Paulo

publicado no Puro Pop em 29/10/2009

renato godá

 

As noites de terça-feira vêm abrigando surpresas generosas. Em um contra fluxo bem saudável, algumas das melhores casas de boa música em São Paulo abrem suas portas neste dia para propostas diferentes, artistas alheios aos modismos e ambições vigentes. Uma fórmula, ou a completa falta delas? A resposta, seja qual for, esbarra em Renato Godá.

Cantando para quase duas centenas de almas no último dia 20, este compositor paulistano levou ao (impecável) palco do StudioSP um repertório baseado em seu disco  homônimo. Lançado em Maio deste ano, o álbum foi produzido e gravado, respectivamente, por Apollo 9 (Bebel Gilberto, Nação Zumbi) e Roy Cicala (John Lennon, Jimi Hendrix, David Bowie). Completam o set canções inéditas e versões de algumas das referências deste artista singular.

A música de Godá é uma mistura entre jazz, rock n’ roll, folk norte-americano, música popular brasileira dos anos 60 e 70 e folk cigano do leste europeu. Sempre cortês, natural, abraçado às reminiscências da chanson francesa de cabarés esfumaçados, mal visitados. Politicamente incorretos. Cenários perfeitos para a poesia marginal da metrópole em madrugadas caóticas.

Além da sonoridade, surpreende a qualidade das letras. As composições são visuais, graves, talvez cinematográficas. Brindam referências ao mesmo tempo em que as digerem, um processo bastante brasileiro de antropofagia e renovação.

renato godá 2

A apresentação durou cerca de quinze canções. Cercado por músicos competentes em uma formação de bateria, baixo acústico, guitarra, xilofone, percussão e órgão, Renato Godá é um Artista. Surpreende que não seja ainda mais conhecido do grande público. Divertiu seus visitantes com extratos de boemia vintage e demonstrou estar à vontade, ao mesmo tempo em que altamente desajustado de tudo. Um poeta, ainda que o negue (veja a entrevista abaixo).

As intervenções de intervalos foram espontâneas e exatas, com o perdão da aparente e satisfeita contradição. Pois saturados que estamos de superficialidades e reprocessamentos, esquecemos como é ir além, explorar sentimentos e intenções que não os mais óbvios e fáceis de entender.

Destaque para Outro Cigarro, Kamikaze e Démodé, além das versões de Negro Gato (Roberto Carlos) e Jorge Maravilha (Chico Buarque). Bom Partido foi o bis de um show perfeito. É preciso humildemente admitir quando isso acontece, sem reservas pseudo-intelectuais magoadas. Nos sorrisos e pés dançantes da platéia, o que eu vi foi ansiedade por um breve retorno de Renato Godá aos palcos da paulicéia, após a gravação do novo disco ainda este ano.

Fotos: Divulgação, Débora Lopes.

Entrevista

Para os desconhecedores e debutantes na poesia maldita: quem é Renato Godá?

Não sei se posso me considerar exatamente um poeta, mas sou um compositor e tenho interesse especial pelas letras. Gosto da literatura, mas o que sei fazer é música. Dizer ao certo quem sou eu é difícil. Tenho me feito esta pergunta nos últimos 38 anos, mas admito que ainda não cheguei a uma conclusão.

Seu som é diferente, combina sonoridades e instrumentos não usuais, insinua muitas referências. Quais suas maiores inspirações?

O jazz dos anos 20, a musica cigana do leste europeu, a musica francesa (principalmente dos anos 60), Leonard Cohen, Goran Bregovic, Bob Dylan, Tom Waits, o universo de Cabaret, Lou Reed, a musica folk, o rock, a minha própria intuição, muita coisa.

Sua presença ao vivo parece intensa e dramática, mas ao mesmo tempo sempre espontânea. Você já trabalhou como ator?

Muito pouco, quando ainda era moleque, mas admito que tenho uma certa pretensão teatral nas minhas apresentações. Gosto da luz bem desenhada, do figurino, do roteiro bem pensado. Sou um artista de palco muito mais do que um musico de estúdio.

Almodóvar ou Woody Allen?

Às vezes Almodóvar, às vezes Woody Allen, mas muitas vezes também Fellini, noutras Nouvelle Vague, Tarantino, Jim Jarmusch, Kusturica…

Clarice Lispector ou Rubem Fonseca?

Clarice Lispector e Rubem Fonseca, entre muitos outros.

Jack Daniels ou Chandon?

Muito Johnnie Walker, copo alto e gelo.

Três poetas essenciais:

Fernando Pessoa, Baudelaire, Carlos Drummond de Andrade.

De 0 a 10 e politicamente todo errado, o quanto faz falta um cigarro no palco?

Oito e meio, quase nove.

Disco preferido do Bowie:

Talvez Diamond Dogs.

Da série curiosidades-malucas-egoístas: conheces Scott Weiland?

Conheço pouco, não o suficiente para dar qualquer opinião. 

Vejo paralelos com outros artistas contemporâneos. Tem ouvido algo recente?

Para ser sincero tenho escutado pouca coisa nova, mas gosto de Beirut, Kevin Johansen, dos meus amigos/parceiros franceses JP Nataf e Barbara Carlotti.

Você comercializa suas músicas em algum site, vende discos? Onde e como se pode consumir Renato Godá?

Sim, as musicas estão à venda no UOL, os discos nas principais lojas, caso não encontre, o site da gravadora é www.robdigital.com.br, lá deve ter mais informações. Sei que algumas pessoas conseguem baixar na internet, mas não sei se é tão fácil de achar.

O que o futuro reserva para Renato Godá?

Em novembro eu gravo o novo álbum, lanço no começo do ano. Com ele devo voltar à Europa e à Argentina. Também tenho planos de tocar pela primeira vez nos Estados Unidos e seguir viajando bastante com o show por aqui.

Ouça as músicas e veja abaixo o vídeo de Bom Partido.

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