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Caminhos perigosos – entrevista René Ariel Dotti

Autor do projeto da Nova Lei de Imprensa, o advogado René Ariel Dotti fala sobre a cobertura da mídia e a tentativa de setores do governo de exercer o “controle social dos meios de comunicação”

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 23)
Fotos Jefferson Dias

O homem que se apresenta na sala de reuniões em um hotel na região da Avenida Paulista onde acontece o 16° Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) o faz com sutileza, a mesma que dará o tom da próxima hora e meia de conversa. A fala mansa e tranquila, carregada no sotaque cantado do Paraná, vocaliza pensamentos concatenados que parecem a todo instante desafiar o improviso – um bate-papo com ares de ensaio. Democrata até no espinhoso terreno do futebol – Coritiba e Palmeiras dividem espaço no coração –, este advogado curitibano com mais de meio século de experiência só levanta a voz uma vez: quando o assunto é a censura à liberdade de imprensa.

René Ariel Dotti construiu sua reputação nos conturbados anos 60 e 70 representando perseguidos políticos da ditadura militar e atuando junto a entidades de resistência ao regime. Nos anos 80, integrou as comissões de reforma do Código Penal e da Lei de Execução Penal. Desde 1981, é professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Antes, foi ator – chegou a formar uma companhia com o amigo Ari Fontoura – e durante cinco anos trabalhou na redação do Diário do Paraná. A experiência jornalística inseriu a comunicação social em sua biografia. Décadas mais tarde, lideraria o anteprojeto da Nova Lei de Imprensa. A seguir, os melhores momentos de sua conversa com Getulio sobre o papel da mídia, seus limites e exageros e as recentes investidas da República contra a liberdade de expressão. Para ele, “O controle social dos meios de comunicação é eufemismo para a censura”.

O senhor falou ontem sobre liberdade de imprensa e censura judicial no painel do 16° Seminário Internacional.

René Ariel Dotti Preferi abordar o tema a partir de casos concretos, como as censuras ao jornal O Estado de S. Paulo, proibido de veicular notícias sobre Fernando Sarney há mais de um ano, à Folha de S.Paulo, no caso dos processos movidos pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 2008, e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que recentemente proibiu uma reportagem da revista Veja.

John Adams, presidente dos Estados Unidos de 1797 a 1801, previu que, no futuro, a regulamentação da imprensa seria “o problema mais importante, difícil e perigoso que os homens letrados teriam que resolver”. O que o senhor diz?

René Dotti A liberdade de informação se desdobra em três aspectos: a) o direito de informar, característico de quem produz ou retransmite informação; b) o direito de ser informado: receber informação sobre a epidemia de gripe, a situação das estradas, a segurança pública; c) o direito de procurar o local e a fonte da informação. Ligar o rádio, comprar um jornal. No conflito que existe entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, deve prevalecer sempre o interesse público. A vida privada de um administrador público interessa sim, na medida em que evidencie atitudes incompatíveis com a dignidade do cargo, como a embriaguez. É uma presunção limitada a certas figuras como políticos, administradores, artistas, que em alguns casos até renunciam à intimidade em nome de visibilidade. Por mais audacioso ou imoral que seja o texto ou a obra, nunca devem ser censurados. Nós temos exemplos históricos. Nos séculos XVII e XVIII, estátuas sofreram mutilações contra os órgãos genitais, censuras que ficarão registradas para sempre. Outro exemplo de preconceito foi o trabalho da Inquisição contra a tese de Galileu Galilei de que a terra se move em torno do sol. A Igreja considerava isso uma heresia, pois segundo a opinião científica da época a terra era imóvel e estática, suportada por grandes colunas, e o sol é quem dava a volta em torno dela. Galilei foi obrigado a negar sua tese de joelhos para não ser queimado, mas reza a lenda que, ao fazê-lo, disse baixinho: “E pur si muove” (ou seja, mas ela se move). Uma ilustração da resistência do homem contra a intolerância.

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fevereiro 14, 2011 at 9:42 am Deixe um comentário


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