2011, início de uma década inesquecível

março 22, 2011 at 11:48 am Deixe um comentário

A economia nacional celebra seu melhor momento nos últimos anos e projeta estar entre as cinco maiores do planeta em 2020. Quais os desafios e como enfrentá-los?

Por Rafael Gregorio (Publicado na revista Getulio nº 23)
Ilustração por Weberson Santiago

O Brasil vive uma situação inusitada. Acostumado à memória de décadas perdidas e eterna promessa, o país está revertendo o jogo. Este ano deverá ter um crescimento de 7% no Produto Interno Bruto (PIB), o melhor resultado nos últimos 40 anos. A renda per capita aumentou e desta vez o bolo está sendo repartido: mais de 30 milhões de pessoas deixaram a miséria desde 2005, formando a chamada Nova Classe Média, vedete da pujança econômica atual. O desemprego desceu a níveis recordes e, somente neste ano, 3 milhões terão encontrado colocação profissional.

O otimismo é generalizado. Na síntese de Paulo Sérgio Simões Gala, economista e professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, os próximos dez anos se apresentam com “perspectivas fantásticas”. Para ele, esta pode ser a melhor década de nossa história.

Fruto de um longo processo iniciado em 1994 com o Plano Real e seguido adiante pelas administrações de FHC e Lula, a ascensão brasileira no século XXI alimenta apostas em um país diferente em 2020: moderno, competitivo, com capital humano mais bem preparado e inserido entre as grandes potências.

A questão se torna ainda mais instigante à lembrança dos desafios que nos esperam. Questões como o pré-sal, o endividamento externo e os gargalos de infraestrutura devem habitar a agenda nacional e nortear decisões importantes. Por outro lado, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 pro- metem momentos de catarse.

Diante de tantas variantes, como o país conseguirá manter o ritmo, realizar seu potencial de desenvolvimento e alcançar as ambiciosas metas de ascender da 8a à 5a economia mundial em dez anos?

Por que o Brasil voltou a crescer

Para os especialistas, prever o futuro exige atenção aos motivos que nos trouxeram de volta ao rumo. E nesse ponto impera um consenso de que o maior deles foi a estabilidade da economia. O economista Marcelo Cortes Neri, também professor da FGV, foi na década de 90 o primeiro a demonstrar a diminuição da pobreza operada pelo Plano Real, quando era pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Como a maioria dos analistas, Neri vê uma continuidade nas políticas econômicas dos últimos 16 anos. Para ele, os acertos têm relação direta com o controle da inflação e dos gastos públicos, a geração de empregos e o investment grade, que sintetizou a credibilidade da comunidade internacional e dos mercados.

Iniciadas em 1994, essas medidas pavimentaram o caminho para o que ele chama de “segundo Plano Real”, a partir de 2002, baseado no fortalecimento dos programas sociais, na ampliação da educação, na redução da desigualdade e na consequente formação de um mercado interno. Neri defende o Bolsa-Família, que, segundo seus estudos, permitiu entre 2003 e 2008 a ascensão de 31,9 milhões de indivíduos das classes D e E para as classes A, B e C. Para ele, “se conseguirmos repetir o mesmo salto nos próximos cinco anos, tiraremos mais 36 milhões da miséria”.

Paulo Gala adiciona a esses elementos a queda do juro real e a redução da dí- vida externa para 12% do PIB, “o menor nível dos últimos 50 anos”. Ele se lembra de outro fator, pouco comentado: a mudança estrutural no mercado de trabalho, altamente ligada à transição demográfica dos anos 70. Segundo Gala, “pela primeira vez na história, o número de jovens chegando ao mercado de trabalho sofreu redução”. Somado ao crescimento proporcionado pelas empresas, isso justifica, segundo ele, a queda do desemprego a 7%, contra 12% há cinco anos.

A consequência do casamento entre estabilidade econômica, educação, emprego e redução da desigualdade foi o aumento do salário real e, por decorrência, do consumo. Gala e Neri concordam que esse setor tem sido o propulsor da economia nacional. Neri vai além: para ele o mercado interno “é o grande ativo diferenciado brasileiro”, e um dos maiores responsáveis pela diferença entre o crescimento daqui e a estagnação do G3 – EUA, União Europeia e Japão. Para ele, “essa desaceleração ex- terna tende a afetar mais os países de economia aberta, como Índia e China, do que o Brasil”.

Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho, economista, ex-assessor econômico do Partido dos Trabalhadores e da Confederação dos Bancários da CUT (Central Única dos Trabalhadores), atualmente professor da PUC-SP, concorda com os colegas da FGV: “O crescimento com distribuição de renda e expansão do mercado interno sempre foi melhor alternativa para o Brasil. Felizmente, essa foi a direção seguida nos últimos 16 anos”.

Paulo Gala vê também a inserção internacional privilegiada do Brasil, relacionada ao “vácuo deixado pelos Estados Unidos e ocupado pelos emergentes”, ilustrado pela queda do G7 em lugar do G20. Para ele, “a figura de Lula trouxe mais projeção”.

Criador do Centro de Empreendedorismo da FGV, o engenheiro José Augusto Corrêa destaca a importância da manutenção do corpo técnico do Banco Central. Um ponto positivo que, segundo ele, não se repetiu nas agências reguladoras.

Pelo caminho

Longe do otimismo crônico ou de entusiasmos partidários, os analistas acusam carências no processo evolutivo nacional. Em comum, grandes demandas que não foram contempladas nessa escala crescente dos últimos anos e, em alguns casos, limitaram os avanços.

Primeiro, a negligência sobre reformas do Estado, especialmente nas áreas trabalhista, previdenciária e tributária. Carlos Carvalho assinala a preocupação com o equilíbrio das contas públicas e adverte: “O país continua com carga tributária elevada e injusta, juros elevados, gastos públicos de má qualidade e déficits contínuos, apesar dos superávits primários”.

O administrador de empresas e especialista em mercado de capitais Caio Mesquita, sócio da Empiricus Research, concorda: “É difícil pensar em erros quando o time está ganhando. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, teremos de lidar com essas coisas”.

José Corrêa concorda com a omissão sobre as reformas, que poderiam reduzir custos e incentivar a inovação. Na análise de Marcelo Neri, “o maior risco é o da complacência em função dos bons resultados”. Neri se preocupa também com a melhora da qualidade da educação e de todo o aparato do Estado. Em sua opinião, os governos de- vem agora buscar a excelência em vez de se limitar a universalizar estruturas ruins: “É preciso não só dar os pobres aos mercados, mas dar o mercado aos pobres – crédito, seguros, estrutura”.

A baixa qualidade administrativa dos corpos técnicos nos três poderes é apontada por José Corrêa. Consequências disso seriam a omissão comercial da política externa e a falta de discussão de conteúdos na atual campanha eleitoral. Ele ressalva também o calvário dos setores produtivos, a chamada “economia real”, que sobrevivem a despeito da carga tributária elevada, da infraestrutura precária e do crédito caro – o “custo Brasil”.

Finalmente, não deixa de ser surpreendente o desempenho da iniciativa privada diante de um sistema financeiro avesso ao crédito de longo prazo. Especialmente quando mais se precisa dele. Paulo Gala explica: “Durante a crise, os bancos privados se retraíram, cortaram empréstimos, tiveram um comportamento pró-cíclico”. Segundo ele, “os únicos que expandiram os gastos na hora da dificuldade foram os bancos públicos”.

Em palestra no Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) há algumas semanas, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, apresentou dados que reforçam a importância desse crédito. Segundo ele, entre setembro de 2008 (marco zero da crise, com a falência do Lehman Brothers) e junho de 2010, 87% dos investimentos realizados no Brasil vieram do BNDES, do Banco do Brasil, da CEF e de outros bancos públicos regionais.

Marcelo Néri defende uma mudança de filosofia: “Como se diz, o diabo mora nos detalhes. Temos dificuldade para separar os efeitos transitórios dos permanentes”. Para ele, superadas as turbulências, o modelo deve ser repen- sado: “O Brasil enfrentou bem a crise, mas não acho que o mesmo tratamento deva ser mantido agora”. Carlos Carvalho partilha de opinião semelhante. Para ele, a partir de agora “os bancos públicos devem privilegiar setores inovadores e carentes em detrimento de empresas que podem captar recursos por conta própria”. O professor sintetiza o senti- mento comum entre os especialistas sobre o que ficou pelo caminho enquanto o Brasil avançava: “O triunfalismo é a grande ameaça. Devemos aproveitar essa bonança inesperada para enfrentar nossos problemas mais difíceis”.

Os desafios à espreita

Quando questionados sobre os desafios que o Brasil enfrentará para manter o crescimento e alcançar voos mais altos, os especialistas convergem em alguns pontos essenciais.

O primeiro deles é a poupança interna de longo prazo. Paulo Gala ressalta que o sistema financeiro deve se sustentar por outros meios que não os investimentos públicos. A Bolsa de Valores, por exemplo. Atualmente, segundo Caio Mesquita, a BMF&Bovespa conta com quase 600 mil CPFs, número considerado irrisório diante da quantidade de capital externo no pregão. Os riscos, segundo Gala, são previsíveis: “Não é saudável depender de recursos voláteis, que variam de acordo com o humor de investidores estrangeiros”.

Outro ponto essencial para a próxima década são os gargalos de infraestrutura. Os portos nacionais já não aguentam escoar a produção que sobre- vive às superlotadas malhas rodoviária e ferroviária. Embora Gala ressalve que problemas dessa natureza não geram crises por si, no plano microeconômico, segundo Corrêa, essas carências reduzem a competitividade.

Essa seria, de fato, a chave do sucesso futuro brasileiro na opinião de Corrêa, que criou um curso de Competitividade Global na FGV, em São Paulo. Para ele, é preciso aumentar a competitividade real, ou seja, desonerar e otimizar o setor produtivo, sem descuidar da competitividade macroeconômica, que diz respeito às políticas de câmbio e juros. O objetivo é permitir que os empresários nacionais alcancem o mercado externo, reduzindo o endividamento em dólares. Ele explica: “O câmbio atual não deixa margem para medidas de aumento da eficiência”. Paulo Gala concorda: “O câmbio abaixo de R$ 1,80 é muito inadequado”.

Corrêa destaca também a omissão do governo no tocante às ferramentas antidumping permitidas pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Enquanto em outros países os setores governamentais responsáveis por esses trabalhos contam com centenas, milhares de funcionários, no Brasil, segundo ele, essa demanda é negligenciada.

Outro desafio é o risco de desequilíbrio externo por aumento do déficit em conta corrente, proposto por Paulo Gala em um trabalho sugestivamente intitulado “A penitência do conta corrente”. Nele, Gala se utiliza de uma metáfora religiosa para indagar se devemos, em suas palavras, “viver sem culpa e aproveitar o boom brasileiro em sua plenitude ou manter um pé atrás, temendo a vida pós-crise cambial e os excessos cometidos por aqui, no mundo terreno”.

Sobre os receios de que o país não seja capaz de crescer com a mesma intensidade por causa da estancada do G3, as opiniões divergem. Carvalho não considera possível. José Corrêa minimiza o mau momento da economia norte-americana: “Os EUA são um caso à parte. Por mais que estejam em crise, produzem mais que os dois países que os seguem, a China e o Japão, juntos”. Paulo Gala e Marcelo Neri acreditam no descolamento entre o Brasil e as potências, especialmente em função do mercado interno, que, mesmo imaturo, já é forte o suficiente para “segurar” a economia. Daí o desafio, segundo Neri, de ampliar a inserção das populações mais pobres, estendendo os programas sociais e o aparato do Estado. Ele defende o “Bolsa-Família 2.0”, com mais qualidade, e não só quantidade, de gastos: “Há toda uma nova agenda que se torna possível a partir de agora”.

Sobre o pré-sal, todos concordam que os riscos, inclusive o de “doença holandesa”, teoria lembrada por Neri que relaciona a exportação de recursos naturais ao declínio dos setores manufatureiros, não superam a magnitude das oportunidades. Corrêa compara o potencial de indução do desenvolvimento tecnológico brasileiro ao papel desempenhado pelas indústrias de defesa e aeroespacial norte-americanas. Carvalho concorda, e faz uma importante ressalva: “Esse objetivo (indução ao desenvolvimento) deve estar acima da tentação de gerar recursos para cobrir déficits”.

Corrêa menciona ainda outro desafio para a próxima década: o desenvolvimento da indústria de defesa. “O mundo é radical quando se trata de energia e alimentos. O Brasil dispõe de ambos e será o fornecedor do futuro. Será preciso dissuadir eventuais tentativas de apropriação de nossas riquezas.” E acrescenta: “Preocupa a escolha da França como parceiro estratégico. Trata-se de um dos países que mais nos antagonizam desde sempre na OMC, bloqueando acordos justamente no campo dos alimentos”.

A cereja no bolo

Resta perguntar: qual o papel da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016) no desenvolvimento futuro brasileiro? Ninguém duvida que o país seja capaz de captar os recursos necessários para realizar eventos internacionais de grande porte. Alguns questionam, porém, a sobriedade da gestão de recursos. Para Marcelo Neri, “Os eventos são grandes, mas não tanto dada a dimensão do Brasil, e serão importantes para reforçar nossa marca”. E finaliza: “Não deveria haver grandes problemas”. Caio Mesquita partilha da mesma opinião: “Acho que existe um discurso míope às vezes, de achar absurdos orçamentos de R$ 5 bilhões. Perto do impacto potencial de uma Copa do Mundo, isso é pouco”. Para ele, “fazer esse tipo de conta é algo mesquinho. Devemos ser ambiciosos e ousados, tanto no público quanto no particular”.

Na mesma linha, José Augusto Corrêa defende que “as Olimpíadas terão um papel importante na internacionalização do país e de suas empresas”. Além disso, os eventos “nos tiram da rotina, induzem inovação e atraem investimentos”. Para ele, pode ser a grande chance de desenvolver nossa indústria do turismo, até hoje subutilizada. Sobre o potencial de captação de recursos, Corrêa é enfático: “Condições temos de sobra, o que pode faltar é juízo…”

Em coro, os especialistas torcem pela concretização do sentimento preconizado por Paulo Gala: “A Copa do Mundo e as Olimpíadas serão a cereja do bolo de uma época inesquecível para o Brasil”.

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